G1 Tocantins/com inofrmações da CBN

Aos 89 anos, Eduardo Rodrigues carrega na mente as marcas da repressão violenta que sofreu na época da Guerrilha do Araguaia. Ele diz ter sido o primeiro homem preso pelos militares, em abril de 1972. O crime de Rodrigues, que não tinha nada a ver com a guerrilha, foi ser vizinho de alguns jovens que buscavam derrotar a ditadura por meio das armas. O agricultor foi uma das vítimas que tiveram o processo julgado pela Comissão da Anistia, na última sexta-feira (17), em Palmas. Um parecer recomendando a reparação de Rodrigues foi encaminhado para o Ministério da Justiça. Depois de homologado, Rodrigues receberá uma pensão de dois salários mínimos.

Lembrança do sofrimento 

Rodrigues vive no sul do Pará e veio para o Tocantins acompanhar o julgamento, já que a Caravana que passou por Palmas tratou especialmente da Guerrilha do Araguaia. Apesar do tempo, ele relata com lucidez memórias do tempo que passou durante a ditadura. "Só de uma vez eu passei 29 dias preso. Esquecer eu nunca esqueço não. A gente perder tudo o que tinha, sofrer, ficar na rua. [Me falaram] "Pode sair da sua casa, que nós vamos tacar fogo em tudo"". O agricultor contou que quando os militares fizeram a primeira incursão para identificar o foco guerrilheiro na região sul do Pará e então norte goiano, foi na casa dele que inicialmente chegaram.

Mutilação
Lauro Rodrigues foi mutilado durante a Guerrilha
quando tinha 15 anos. (Foto: Gleydsson Nunes/CBN Tocantins)

Ele não foi o único da família a receber a reparação. Os dois filhos dele também devem receber a pensão de dois salários mínimos. Um deles, é Lauro Rodrigues, de 59 anos. Na década de 70, com 15 anos de idade, ele encontrou uma granada deixada pelo exército perto da casa dele, em uma localidade chamada Faveira, no sul do Pará. Não sabendo o que era puxou o pino de segurança e o artefato explodiu na mão dele. Lauro perdeu um braço e ficou com sinais pelo corpo todo. O irmão adotivo que estava junto morreu no local. 

Lauro diz ter sido o primeiro mutilado pelos militares. "Nós estávamos no trabalho, na roça do meu pai. A guerrilha já tinha começado, meu pai já sido preso e liberado. Ele [o irmão] achou a granada e levou para mim. Eu estava meio distante, a cerca de 300 metros. Não sabia, quando eu peguei a granada, tirei o pino de segurança e o Sabino morreu na hora. E eu fiquei todo quebrado".

Anistia

A Comissão da Anistia foi criada em 2002 com o objetivo, dentre tantos outros, de quebrar o silêncio e reparar os danos sofridos por quem foi vítima de um dos períodos mais sangrentos no Brasil. A conselheira da Comissão da Anistia, Aline Sales, disse que a reparação é fixa e não adota como critérios o sofrimento das vítimas, mas o prejuízo que tiveram em relação ao trabalho. "Essa família é composta por trabalhadores rurais e eles tiveram uma perda laboral ocasionada pela perda da terra".

Cerca de cinquenta processos foram julgados no Tocantins, mas nem todos que diziam ser vítimas foram anistiados. Dentre eles, estão processos de "militares que foram combater a guerrilha, camponeses que atuaram como guias e receberam por isso, ou em dinheiro ou em terras", explicou Aline.

Processos a serem julgados

Percorrendo o Brasil, as caravanas da anistia não têm data certa para acabar, ainda estão na pauta de julgamento quatorze mil processos. De acordo com o presidente Paulo Abraão, até que o último perseguido político seja reparado ainda haverá trabalho. Ele ressalta que nunca será tarde para reconhecer  os crimes do estado brasileiro contra as vítimas da ditadura. "Os danos que foram cometidos contra os direitos humanos das pessoas durante a ditadura são imprescritíveis, o que significa é que eles podem ser cobrados a qualquer tempo".