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O juiz substituto da 4ª Vara de Fazenda Pública de Palmas, Vandré Marques e Silva, condenou a J. Câmara & Irmãos, empresa da Organização Jaime Câmara que publica o Jornal do Tocantins; o atual deputado estadual Eduardo Siqueira Campos (PTB), ex-secretário do Planejamento e da Modernização da Gestão Pública (Seplan), e a ex-secretária executiva da Seplan Vanda Paiva, na ação civil pública por improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), por causa do programa Agenda Tocantins, realizado em 2011. O governo Siqueira Campos (PSDB) contratou por R$ 2,2 milhões o Jornal do Tocantins, sem licitação, para executar o programa para a elaboração do Plano Plurianual (PPA) 2012-2015. A denúncia ao MPE foi feita na época pelo diretor executivo do CT, jornalista Cleber Toledo. Ainda cabe recurso à sentença.

Numa decisão de 42 páginas, o juiz condenou a J. Câmara & Irmãos a multa civil de R$ 2 milhões "e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos”.

Eduardo Siqueira Campos foi condenado a pagar multa civil de R$ 800 mil, "suspensão dos direitos políticos por oito anos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos". 

Vanda Paiva foi multada em R$ 400 mil, "perda da função pública e proibição de contratar com o Poder Público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos”.

Além disso, os três foram condenados, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 2,2 milhões, "a ser revertido em favor do Estado do Tocantins, acrescido de juros de 1% a.m., a partir da última citação (21.08.2014) e correção monetária, a partir do ajuizamento da ação (02/05/2012), nos termos do art. 1º, § 2º da Lei 6899/1981".

O juiz ainda decretou a indisponibilidade de bens dos requeridos. "Tudo até a satisfação do montante devido a título de ressarcimento do dano e pagamento da multa civil”, sentenciou o magistrado.

A ação do MPE

Os promotores lembraram na ação que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) chegou a emitir parecer contra a contratação da empresa "em face da expressa vedação do art. 25, inciso II, da Lei 8666/93”. A PGE ainda asseverou que ela poderia ser contratada "desde que o Gestor da Pasta [Seplan] demonstre que a empresa J. Câmara & Irmãos S/A é a única a prestar o serviço a contento e exponha a razão de escolha, apresente redefinição e justificativa dos preços, ante a diminuição do serviço a ser contratado”. O que não era o caso, como o próprio CT defendeu na época da denúncia.

Em seguida, relata o juiz, "a empresa J. Câmara & Irmãos S/A apresentou nova proposta, com mudanças de planos de execução do projeto “Agenda Tocantins”; contudo, não houve alteração no valor anteriormente ofertado, da ordem de R$ 2.200.000,00, contrariando o Parecer da Procuradoria do Estado, que recomendou a diminuição do preço em razão da redução do objeto do contrato”.

Conforme a ação, em seguida, nova justificativa foi apresentada pela secretária executiva Vanda Paiva, "no sentido de que a empresa, dentre as existentes no mercado, comprovou ser a única com capacidade para a realização do evento "PPA - Agenda Tocantins", diante dos atestados técnicos e por ter preços condizentes com os de mercado”. Os promotores relataram ao juiz que Vanda argumentou que a empresa possuía "notória especialização decorrente de experiência anterior, tendo prestado ao Estado do Tocantins serviços semelhantes, tais como o Projeto Pensar, Fórum Social Palmas Minha Cidade e principalmente os trabalhos executados no Fórum do Lago, evento que envolve atividades afins ao projeto Agenda Tocantins".

Porém, ressaltou o juiz, segundo o MPE, a empresa contratada "nada de raro, inédito, incomum ou complexo há na prestação dos serviços contratados pela requerida J. Câmara & Irmãos S/A". "Nenhum serviço singular prestou, tendo em vista que desenvolveu trabalho o qual poderia ser feito ora por empresas similares, ora pelos próprios funcionários especializados da Seplan ou outros órgãos estaduais, como a Secretaria de Comunicação ou a própria Redesat. Ademais, afirma que existem inúmeras empresas no Estado que prestavam serviços idênticos, conforme demonstrado em procedimento preparatório”, relata o magistrado.

Ainda sobre a justificativa do preço, conforme o juiz, o MPE disse que, segundo Vanda Paiva, "o orçamento para a prestação dos serviços de execução da “Agenda Tocantins” seria condizente com o preço de mercado, embora não haja qualquer documento ou procedimento capaz de provar tal alegação".

Juiz diz que não havia "nenhum interesse público" na contratação direta da empresa J. Câmara & Irmãos S/A – Jornal do TocantinsEscusa da inexigibilidade

Para o juiz, ainda que a empresa tivesse “notória especialização” e "singular capacidade técnica e administrativa”, "não haveria como o Estado do Tocantins se eximir do dever de licitar para fins de divulgação das audiências públicas mencionadas pelo art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal”. "Vale dizer: a fim de alcançar o desiderato de promover a divulgação de audiências públicas, sem se afastar dos deveres da legalidade e probidade administrativas, caberia a Administração Pública estadual confeccionar o seu próprio projeto básico, contendo a necessária estimativa de custo (pesquisa de mercado), visando permitir a concorrência pública e o menor gasto para o erário, em vez de aceitar, sob a escusa da inexigibilidade, a proposta de R$ 2.200.000,00 feita pela empresa requerida”, defendeu o juiz.

Além disso, observou que "o serviço de divulgação previsto no art. 48 da LRF poderia ser realizado por meio de agências publicitárias, observado o devido processo licitatório, conforme regulamentado pela Lei 12.232/2010, que dispõe sobre normas gerais para licitação e contratos firmados pela Administração Pública e as agências de propaganda.

Através de documentos da Seplan e da empresa, o juiz ressaltou que o Agenda Tocantins, no segundo projeto apresentado, previa um custo total de R$ 3,860 milhões, dos quais R$ 2,2 milhões seriam gastos pelo Estado do Tocantins através da chamada “cota de parceria”, em duas parcelas, sendo que o remanescente de R$ 1,660 milhão seria arcado pela iniciativa privada, mediante a denominada “cota de apoio institucional”. O parceiro da J. Câmara & Irmãos foi a JBS. Essa proposta também não teve aprovação total da PGE, como observou o juiz em sua sentença, apesar de novamente ter tido o aval da Seplan, através da secretária executiva Vanda Paiva.

Conforme o magistrado, a empresa apresentou nos autos nova proposta com o Projeto Agenda Tocantins detalhando a participação dos parceiros para o evento, de modo que, segundo ela, não ficaria "a cargo do Estado, Secretaria do Planejamento, nenhuma ação a ser custeada na forma de divulgação”. O juiz, contudo, não se convenceu: "Não lhe assiste razão. Como já dito, não houve alteração substancial no Projeto e o valor da “cota de parceria” a cargo dos cofres públicos se manteve na absurda monta de R$ 2,2 milhões, mesmo com o acolhimento de todas as ponderações do multicitado Parecer SCE n. 180. A bem da verdade, da forma como o segundo projeto foi apresentado, tudo indica que a alteração “no papel” não refletiu a verdade dos fatos”.

E o juiz foi além: "Como se nada percebesse, incorrendo, porém, em flagrante improbidade administrativa, a Srª. Secretária Executiva afirma: "o Estado está contratando tão somente serviços cujo objeto compreende a organização do evento com mobilização social [por que meio?], realização de audiências públicas com fóruns de debates em cada uma das nove macrorregiões, de acordo com as 18 regiões administrativas, gravação de material dos fóruns para fins de arquivo público institucional, documentários [para que fim?], equipamentos e mão de obra técnica especializada [em que?], pesquisas de caráter científico e de opinião pública, translado, despesas com hospedagem e alimentação [???], tudo isso a ser custeado pelo valor de R$ 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais)” (evento 1, ANEXOS PET INI7, p. 3, destaquei)".

De acordo com o juiz, embora tenha a secretária Vanda Paiva afirmado que o Estado “buscou detalhar” tais gastos, ela não apontou nenhum elemento que demonstrasse o valor usual de mercado, bem como o valor que foi pago nas contratações semelhantes, como tinha recomendado parecer da PGE. E continua o magistrado: "Mas não para por aí. Após de justificar o injustificável, a Secretária Executiva arremata: "a questão do levantamento de preços de certa forma restou prejudicada no momento em que os serviços a serem contratados exigem notória especialização por parte da empresa prestadora dos serviços, decorrente de desempenho anterior, com experiências comprovadas, organização, aparelhamento, equipe técnica, de modo que se permite inferir que o seu trabalho é essencial e o mais adequado à plena satisfação do objeto a ser contratado"".

Para o juiz, "pelo que se depreende da justificativa", a secretária Vanda Paiva "estava disposta a contratar J. Câmara & Irmãos – Jornal do Tocantins para a organização do evento Agenda Tocantins, ainda que o erário tivesse que arcar com a altíssima monta de R$ 2.200.000,00, sendo que, para ela, o levantamento de preços era questão de somenos importância”.

Assim, concluiu o juiz, "diante dos elementos colhidos nos autos, verifica-se que os requeridos incidiram na prática de improbidade administrativa, especialmente previstos no art. 10, caput, e seus incisos VIII e XI, da Lei 8429/1992”.

Nenhum interesse público

Para o magistrado, "percebe-se, no caso dos autos, que nenhum interesse público norteou a contratação direta da empresa J. Câmara & Irmãos S/A – Jornal do Tocantins". "Primeiro, porque não houve fundamento legal; segundo, porque não foi demonstrada a condição de inexigibilidade para serviço de organização de audiências públicas; terceiro, porque não foi o Poder Público que fez o projeto, o qual foi entregue pronto pela empresa interessada; quarto, porque o gestor público se baseou tão somente nas informações prestadas pela própria empresa, mediante proposta, termo de compromisso e dois atestados técnicos; quinto, porque não houve justificativa de preço, requisito do art. 26, III da Lei 8666/93; sexto, porque não houve proporcionalidade entre o serviço prestado e o preço do serviço”.

Conforme o juiz, a J. Câmara & Irmãos S/A – Jornal do Tocantins propôs a contratação direta para realizar o programa Agenda Tocantins, "o qual abrangia serviços de publicidade e divulgação, pelo preço vultoso de R$ 2,2 milhões; após ter sido cientificado das recomendações da Procuradoria Geral do Estado em 04.08.2011, apresentou em 05.08.2011 novo projeto, sem alteração substancial, informando que a “cota de parceria” custeada pela Estado não abrangeria serviços de publicidade e divulgação; contudo, manteve o preço daquela cota em R$ 2,2 milhões. Tudo demonstrado nos autos”.

O magistrado afirmou que "os elementos e as circunstâncias da prática do ato, desde a apresentação do primeiro projeto até a assinatura do contrato, denunciam o dolo, não havendo sombra de dúvida de que a empresa, através de seu representante legal, de forma livre e consciente, assinou o contrato n. 013/2011”.

Sobre Vanda, o juiz afirma que ela, pela sua argumentação, "agiu com dolo, colaborando de maneira incisiva para a celebração do negócio ilícito, exprimindo de forma clara sua intenção de levar a cabo a contratação da empresa Jaime Câmara pelo valor de R$ 2,2 milhões.

A respeito de Eduardo Siqueira Campos, o juiz diz que "é inquestionável que também agiu com dolo, o que se infere não só dos elementos e circunstâncias do procedimento para contratação direita, mas também de sua condição de homem instruído e político experiente". "Tanto é assim que, como ordenador de despesa, assina a autorização de pagamento do referido contrato, após ter empreendido "minuciosa verificação dos aspectos legais, formais e éticos" do processo de inexigibilidade”, afirma o magistrado.