Dra. Luiza Helena Oliveira da Silva – UFT 

 Como coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Tocantins, o Profletras, tenho vivido momentos muito felizes, outros nem tanto. Trata-se de um programa em rede, com sede na Universidade Federal do Rio Grande do Norte sendo, no Tocantins, ofertado pela UFT, campus de Araguaína. Sua criação atendeu a uma demanda da CAPES que mobiliza universidades públicas de todo o país para o compromisso com a formação de professores da Educação Básica.

 No último domingo, tivemos a seleção para a terceira turma do programa na UFT, com 161 inscritos para esse processo. São candidatos ao Profletras professores graduados em Letras que atuam na rede pública de ensino  na segunda fase do Ensino Fundamental e pertencentes ao quadro permanente. O projeto inicial do Profletras, de cuja elaboração participei como representante da região Norte, previa que docentes da primeira fase também fossem contemplados pelo curso. Foi o que justificou inclusive a presença de algumas disciplinas visando a atender especialmente os professores dos anos iniciais e graduados em Pedagogia ou Normal Superior, como é o caso da disciplina de Fonética e Fonologia, que traz conhecimentos indispensáveis aos que se dedicam à alfabetização e precisam compreender com mais propriedade a problemática da variação linguística. Na redação aprovada, porém, limitou-se a  oferta aos professores da segunda fase, tendo já sido excluídos antes os docentes do Ensino Médio. Uma necessária revisão do regimento já foi prevista pelo III Fórum de Coordenadores, que aconteceu na UFRN em junho de 2015, prevendo a possibilidade de reavaliação desse item.

Outra questão relaciona-se aos docentes temporários, infelizmente em grande número em todas as regiões do país, na medida em que o poder público deixa de realizar concursos para o quadro efetivo, muitas vezes utilizando as contratações para interesses eleitoreiros. A instabilidade das contratações impede que um programa federal que visa a impactar decisivamente a Educação Básica invista na formação desses docentes que, contudo, assumem tantas vezes quase hegemonicamente nas escolas as disciplinas de língua portuguesa e literatura. Aceitar que o Profletras mude seu regimento para abrigar os docentes contratados em regime temporário é de certo modo desprezar a necessária luta para a reversão desse quadro, confirmando a prática da precarização dos contratos de trabalho e suas consequências para um ensino de qualidade.

 Estamos colhendo os primeiros frutos de nosso trabalho na UFT. Em junho principiaram as defesas das dissertações, concentrando-se as demais nos meses de agosto e setembro. As fotos dos novos mestres, aprovados por rigorosas bancas constituídas por avaliadores internos e externos (estes oriundos de programas de pós-graduação em Letras de outras universidades), traz-nos a alegria dos resultados produzidos pela dedicação de professores, acadêmicos e técnicos que atuam no programa, mas é necessário observar que há mais a ser feito para o sucesso dos docentes quanto a sua formação.  

 Frequentemente, chegam-nos relatos dos acadêmicos que se veem intimidados pela direção das escolas em função das faltas justificadas por sua presença nas aulas e demais atividades do Profletras. Como é explicitado no regimento do programa, o curso se caracteriza como semipresencial, mas com aulas presenciais, que são organizadas e distribuídas ao longo dos meses mediante as necessidades do curso e a disponibilidade dos professores, todos doutores, que atuam em pesquisa, ensino na graduação e em outra pós-graduação também ofertada pela UFT (Programa de Pós-graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura - PPGL), além da orientação de dissertações, teses, pesquisas de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso. Como há alunos de diferentes cidades do Estado e alunos oriundos dos Estados vizinhos, há um esforço por concentrar as aulas próximas aos finais de semana ou ministra-las em regime modular, diminuindo os gastos dos acadêmicos com a estada na cidade. Sendo ministradas de outro modo, como ocorre no PPGL, certamente haveria muitos impossibilitados de dar continuidade aos estudos.

Pelos relatos que nos chegam – que incluem ameaças de cortes de ponto e a  necessidade de sucessivas declarações confirmando a presença dos docentes nas aulas – parece haver uma falta de compreensão sobre o que deve ser uma formação em nível de mestrado. Sem licença, os professores são penalizados por terem uma sobrecarga de estudo e pesquisa sem as condições apropriadas para seu trabalho como docente pesquisador. Como critério de avaliação da qualidade dos programas de pós-graduação no Brasil, a CAPES prevê que os mestrandos ainda apresentem trabalhos em congressos nacionais e internacionais, que publiquem em revistas especializadas e livros, que estejam, enfim, em contato com outras instituições, atualizados em relação aos rumos da pesquisa que se faz no país e no exterior. Se a presença às aulas já traz confrontos que poderiam ser minimizados pela compreensão dos gestores, a participação em eventos indispensáveis à qualificação dos docentes pesquisadores acaba por ser motivo de mais contendas e desgastes.

No Tocantins, a Lei Estadual 1.751, de 2006 prevê que faz jus à liberação para aperfeiçoamento em nível de mestrado e doutorado os alunos matriculados em programas ofertados presencialmente. Não se leva em conta que o Profletras tem suas aulas presenciais, conforme previsto no regimento. A interpretação atual pela Secretaria de Educação impede que os docentes obtenham sequer licença parcial para os estudos, abrindo espaço para os problemas que nos chegam cotidianamente: cortes de pontos, intimidações, ameaças, desestimulando o professor sobrecarregado com os estudos e o nível de exigência do Mestrado.

Se o Estado realmente quer investir na qualidade do ensino, não estaria na hora de fazer a sua parte nesse processo?