Marcos Reis*

Inicialmente, peço desculpas ao leitor que nos acompanha por este portal: não vou analisar, comentar, confrontar ou emitir opinião. Quero, nestas palavras, fazer um exercício de reflexão, onde eu sou o meu próprio juiz e estimulo que você o seja também o seu. O assunto, evidentemente, não poderia ser outro: a maior das maiores patriotadas brasileiras, copa de 2014.

Não era sem tempo. Desde o dia em que o Brasil foi “escolhido” para sediar o mundial, as controvérsias tomaram conta das discussões parlamentares e extraparlamentares no país inteiro. O dinheiro público estaria sendo devassado para fazer obras “para inglês ver”, sem uma destinação sustentável quando fossem encerradas as competições oficiais. Seria uma demonstração de ostentação a, sabe Deus quem, além de um exercício nefasto de falso patriotismo, que deixou de existir imediatamente ao apito final do árbitro desta última partida. Uma relação promíscua onde a sociedade brasileira, de um lado criticava o comportamento do governo, mas se aproveitava dos dias de jogos para feriar e ainda se permitia colorir casas e automóveis de verde e amarelo, ostentando “orgulhosamente” a bandeira nacional e uniformizando-se de amarelo, como um exército de guerreiros armados até os dentes.

Em um momento, éramos todos, presidentes da república. Em outro, técnicos da seleção na copa. No fim, o resultado revelou que na realidade, muitos de nós nos comportamos conforme os resultados e as conveniências do momento. Quem não se lembra das manifestações de junho de 2013, quando vários brasileiros foram às ruas protestando por melhorias e mudanças? Onde estarão estes mesmos brasileiros agora? E as promessas firmadas quando daquele momento delicado? Cumpriram todas ou elas foram relegadas à segundo plano, enquanto a “seleção canarinho” estivesse em campo?

Outro erro fatal para o sentimento cultural da nação é condicionar as nossas “glórias” à meros 90 minutos em campo, seja onde for. Os gastos realizados para as estruturas da copa e que dessangraram o país nem de longe se assemelham aos pífios investimentos em medidas socioeconômicas necessárias ao desenvolvimento nacional, ainda que defasado. As ideias megalômanas (trem bala, transposição do “velho Chico”, entre outros) desenhadas tão brilhantemente não assumiram ainda, sequer, indícios de formas concretas. Em síntese: não passaram de desenhos. A política brasileira para a ciência e biogenética tem sido literalmente, um gol contra. O que dizer do desprezo que as instituições públicas de pesquisas laboratoriais deram aos estudos com a Mutamba (erva tipicamente do Estado do Tocantins, portanto, da flora brasileira), que apresentou irrefutáveis resultados contra a Aids, com a redução da carga viral e agora demonstra eficácia contra o câncer? Mas se isto não representa “pontos corridos” ou não balança a rede, o povo não vê (ou não quer ver). Seria, sem dúvidas, um (o primeiro) Prêmio Nobel brasileiro e justamente no que diz respeito à solução de um problema transnacional de tamanha envergadura!

Não. Não sou um antipatriota. Pelo contrário, adoraria ter razões para me orgulhar do Brasil, não por onze desportistas (muito bem) remunerados e que, ganhando ou perdendo em campo, ganharão seus altos salários, mas pelas nossas conquistas aeroespaciais, genéticas, de engenharia. De ter uma justiça eficiente, educação proativa e não excludente, de poder assegurar ao cidadão o direito de ir e vir plenamente, sem a intercorrência de violência ou criminalidade (e neste sentido, garantindo-lhe o pleno direito ao porte de arma de fogo). Adoraria poder ter a certeza de que o serviço público de base recebe os salários justos, conforme a importância e a complexidade de suas funções. Que as Polícias fossem dignamente tratadas, de modo a repelir, de pronto, toda e qualquer tentativa de corrupção ou assédio.

Adoraria ter verdadeiras razões para ser um patriota e ostentar onde quer que esteja, a bandeira brasileira, não para tremular como um símbolo de identidade futebolística, mas para representar uma nação que defende seu bioma, bem como forma cidadãos que respeitam o futuro, que identifica um povo progressista, disciplinado e que não tolera o repugnante “jeitinho”. Que defende a ética e a moralidade, em qualquer instância ou circunstância. Que prioriza o ser humano como elemento transformador da sociedade e não como mero coadjuvante em prol de interesses particulares.

Do Brasil que ignora o clamor das ruas contra o aumento desenfreado e injustificado dos impostos, preços e taxas, o sucateamento das Forças Armadas e da infraestrutura de desenvolvimento, a seca ad eterno no nordeste brasileiro e a afamada indústria do sexo, eu me ignoro a pertencer. Porém, da nação construída por homens e mulheres que não desistem de lutar pela vida através do trabalho honesto, das iniciativas de preservação do meio ambiente, da valorização da ciência em prol da humanidade, da solidariedade e ética, desta sim (verde e amarela ou não) eu me orgulho a pertencer. A razão do patriotismo acaba, quando as prioridades nacionais são pervertidas.

Reiterando o que eu mesmo disse outrora, quando afirmei que “a copa foi comprada”, reconheço que não tinha razão. A seleção perdeu e ficou provado que errei em meu prognóstico. Mas, aposto que até aqueles que eloquentemente me criticaram e recriminaram pela minha afirmação, iriam adorar que a copa de fato já houvesse sido negociada, a fim de evitar isto que posso chamar de escárnio eterno.

O Brasil fora do caminho do hexa me autoriza a orar pedindo que o mesmo ardor com que muitos torceram pela seleção brasileira, nos estádios e fora deles, sejam revertidos para a permanente defesa dos valores mais necessários, já escassos, porém tão úteis. 

Perfil

 

Marcos Reis é advogado criminalista, historiador, escritor e professor de direito penal e constitucional. É natural de Belém e reside em Araguaína – TO, onde exerce a advocacia e ministra aulas jurídicas. Pertence à Academia Paraense de Letras e à Academia de Letras de Araguaína e Norte Tocantinense – ACALANTO. Gentilmente colabora com o Araguaína Notícias.